sábado, 1 de outubro de 2016

Um gole de sossego










Falamos em seguir adiante, não desistir, não se deixar abater, não retroceder.
E quanto a parar e respirar? Reavaliar os caminhos, para reconhecer os adversários, para olhar mais demorado, para sentir o momento, antes de agir. Procurar a bússola do coração pra encontrar direção. Afinal, a estrada não termina em nós, ainda existe muito caminho a ser descoberto.

Nessa insistência em não desistir, deixamos de valorizar o que realmente importa, deixamos de enxergar com os olhos da alma, nos descuidamos da gentileza, para não perdermos tempo. Aprendemos a pontuar o final ignorando as reticências da caminhada . Na correria do imediato, atropelamos nossa sensibilidade e nosso sentir fica um tanto desalinhado. As vezes, precisamos só de um momento, um suspiro, um gole de sossego. As vezes, o cuidado é mais demorado, mais delicado.

É difícil aprender a puxar o freio de mão dos nossos dias acelerados, mas em certos momentos é uma questão de "se priorizar" em meio as prioridades. Se presentear com um "presente" menos apressado, com um agora mais bonito. Parar não é paralisar. É encontrar o atalho que nos leva de encontro a paz.




Renata Fagundes





sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Colecionadores da vida












Acredito que, o que realmente importa e fica, é o que mais deixamos passar desapercebido. A gente complica a simplicidade e vai sentir o perfume do momento depois que passou.

Sou colecionadora de miniaturas, elas se aconchegam melhor em minhas memórias. Falo de miniaturas de nós, do outro, do inesperado. Coisinhas pequenas que penduramos na parede do tempo e corremos pra elas quando "desaprendemos" de sorrir. Pequenos milagres que nos acontecem em um dia de grandes desafios. Abraço amigo, presente de tio, coleção de vinil bem guardada, colo de mãe, anjo com cara lambuzada de bala, lembranças fotografadas, bagunça de casa, coisinhas pequenas, de todos os dias, mas que fazem uma falta danada. Essas coisas são a cola que nos consertam quando estamos quebrados.

Em um mundo onde ser maior que o outro é a grande conquista, eu me alinhavo em pequenos gestos, nas miudezas que desenham meu sorriso. Quando começamos a guardar essas raridades pequeninas, redescobrimos a leveza perdida.






Renata Fagundes






quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Guardados meus








A gente cuida do cabelo, da pele, das unhas, do corpo, da casa, do carro, dos filhos. Arruma, ajeita, organiza, guarda. 
E o que tem acontecido com nossos guardados da alma? O que estamos reciclando, desperdiçando, acumulando, estragando? 

Somos caixa de guardados, amontoado de coisas, escolhas, sentimentos, lembranças. Pedaços de nós virando caminho, misturando pés e estrada. Quebra cabeças, colcha de retalhos.

Alguns guardados têm cheiro de cuidado e encontram fácil nosso sorriso. Outros, apertam nosso peito e aborrecem nossos olhos.
E quando aprendemos a identificar o que se guarda e o que se joga fora? Quando não doer mais, quando o mau cheiro incomodar, quando precisamos de espaço. 
E esse dia sempre chega. Embora vez ou outra adiemos a faxina, chega o tempo em que sentimos necessidade do cheiro de casa limpa, de espaço nas gavetas, de novas cores nas prateleiras. O importante é analisar cada peça, reler cada pedacinho de papel, tocar cada sentimento e separar o que soma, o que alegra, o que ensina, o que nos torna melhores, mais amplos, mais fortes, mais leves. O resto? O resto a gente joga na lixeira do esquecimento.

É preciso enxergar além do que se vê para saber identificar o que se descarta e o que vira relíquia. 





Renata Fagundes.







quarta-feira, 7 de agosto de 2013

"Perder-se também é caminho" Lispector









Essa história de só dar valor depois que perde é muito relativo. E quando você se perde? E quando você se olha e não se enxerga?

É fácil usar a roupa certa e caprichar na maquiagem, quando dentro de você tudo se encontra irreconhecível. E quando suas atitudes não condizem com o que você acredita? É difícil aceitar que se perdeu, mas é corajoso retomar o caminho de volta pra se reencontrar. 

A gente se perde aos pouquinhos, se afastando de amizades verdadeiras, de amores eternos, de abraço de mãe, de carinho  de gente que te conhece de verdade. E quando faz o caminho de volta, percebe que seu cantinho estava guardado na vida de cada um, que os braços continuavam estendidos, o colo pronto, o riso fácil e a casa segura. 

A gente se perde pra se encontrar maior, mais inteiro, mais completo. A gente se perde pra descobrir que, o que é verdadeiramente nosso está nos esperando.


Renata Fagundes








terça-feira, 25 de junho de 2013

Tempo que chega






Chega um tempo em que você não se preocupa com o tempo. Se lembra apenas que esqueceu a ansiedade pelo caminho, que deixou de berrar pra provar que esta com a razão, que desistiu de esperar demais das pessoas, pois descobriu que pessoas oferecem o que são. Aprende a sorrir dos que subestimam sua inteligência. Desaprende de se justificar porque sabe que quem te ama, te entende, te aceita e te quer por perto apesar de você ser quem é. 

Chega um tempo em que você prefere estudar (viver) humanas que exatas, pois descobre que coração não entende de exatidão.

Chega um tempo em que você para de olhar, aprende a enxergar. Para de correr, aprende a caminhar. Para de gritar, aprende a assoviar.

Chega um tempo em que você deixa as expectativas de futuro para os mais apressados e prefere descansar nos braços do agora. Se despede de todos os ontens, pois sabe que sua história mais interessante será escrita hoje.

Chega um tempo em que você joga a palavra felicidade no google e não encontra nada, pois ela esta dormindo ao seu lado, esta no telefone com suas vozes infantis preferidas, esta no abraço grande do seu irmão, esta na resposta da sua oração. 

Chego a me perguntar se me perdi no tempo, pois não reconheço a garota de anos atrás, a mulher de um dia desses. Talvez tenha chegado atrasada no encontro que marquei com o tempo. Confesso que não me decepcionei ao olhar nos olhos da mulher diante do espelho, uma mulher que ainda não desvendei. Mas  ela não assusta, pois estou prestes a descobrir.



 Renata Fagundes





quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Constante inconstância








"...ele sempre dizia - meu maior medo é perder a lucidez. Ela, que nada tinha de lúcida ouvia sua teoria de folhetim, palavras requentadas, experiencias que outros viveram para que ele se poupasse do trabalho. 

Descalça, entrou no sótão da alma com cuidado para não acordar lembranças adormecidas. Era incrível como a tal lucidez nunca a havia visitado. Apesar do pó do tempo, era possível sentir a intensidade dos momentos, ainda se identificava a vivacidade das cores, o som dos sorrisos em fotos amareladas, o perfume de lugares e pessoas. Se viu ali, em pedaços, papel repicado colorindo o chão da memória, cantiga de roda, vinil colorido, histórias inacabadas. Não era exemplo a ser seguido. Era caminho, estrada, poeira de chão que o vento leva pra dançar em territórios distantes, era sorriso de gente estranha, lágrima quente que faz morada na boca, braços dançarinos e abraço de pernas. Concluiu que, mais que palavras bem colocadas, era feita de pedaços de loucura que ainda eram degustados..."




"A alegria é um vento que nos levanta do piso e nos deixa em outra parte,  em um lugar em desaviso."
(Emile Dickson)



Renata Fagundes

Trecho do texto: Desatino







quinta-feira, 21 de junho de 2012

Muros de papel






Com dias programados, se desprogramou de grandes expectativas. Não atendia aos telefonemas do inesperado. Se tornou estrada com placas demarcando limites. Quando sentimentos desavisados resolviam fazer "canturia" nas janelas do seu coração, de imediato passava a tranca no sótão dos sonhos e dormia embalada pelo silêncio da noite. Mesmo com todo esse cuidado, em um piscar de olhos foi sequestrada por um sorriso, sua armadura queimada por palavras docemente firmes. Bastou um pequeno gesto e todos os muros, toda a segurança havia caído. Se tornou uma sem teto, com pés descalços, sorriso fácil, refém nos braços da poesia.


Renata Fagundes








quinta-feira, 17 de maio de 2012

Maternidade poética






Escrever não é espalhar qualquer coisa em uma tela em branco. Escrever é uma gestação. É ser mãe de palavras.

Você sente cada letra, cuida delas, conversa com elas enquanto tomam forma. Imagina o resultado final. Acaricia cada sílaba, enfeita de cores, as veste conforme a ocasião. Não importa se de primeira viagem ou veteranas, somos mães e cuidamos dos nossos filhos. E que ninguém ouse mexer com um deles. Somos valentes em defender, com a mesma intensidade que somos generosas em dividir, em deixar nossos filhos passearem na casa dos amigos, mas como toda boa mãe, precisamos ser avisadas onde estão. Não permitimos que sejam raptados, molestados, largados de qualquer maneira em qualquer lugar. Porque são pedaço nosso, saíram de nós. E mesmo que ganhem o mundo, somos sua morada.


Renata Fagundes

Texto contra o Crime do Plágio.










quarta-feira, 9 de maio de 2012

De homem pra homem




"Eu não sou bom em dar conselhos. Você quer um comentário sarcástico?"
(Friends)




Isso é só um falatório entre amigos que merece ser registrado.

Mulher adora dizer que homem é tudo igual, mas existem jóias raras escondidas por aí. E como boa garimpeira de gente, tive o privilégio de recolher verdadeiras preciosidades desses homens incríveis. 


Numa dessas reuniões, de muita conversa e lembranças da infância, a inspiração resolveu sentar na roda e anotar tudo. Resumo da obra...


- Ainda não entendi o por quê da sua separação Miguel.
- "Excesso. Excesso de amor, de ciúmes, de pavor de perder. Excesso dela em mim. Senti minha falta Rê."

- Acho que pela primeira vez, o coração gritou mais alto que o Rafa gente...
- "É engraçado, sou apaixonado pelo que ela acha que não vejo. Quando ela tira o cabelo do rosto pra escrever, faz aquela bagunça deixando pedaços seus pela casa. Passei a acreditar em Deus quando comecei a agradecer por ela amanhecer ao meu lado."

Murilo falando - "Não gosto de mulher que olha a bunda no vidro do carro, nem as estilo" spider man", que parecem ter um batom pregado no pulso e passa aquele troço toda hora, é cabelo que não pode molhar, salto que não pode tirar. Parecem manequins que escaparam da vitrine. Eu gosto é de ver como passam hidratante nas pernas, de ver um coque mal feito deixando fios de cabelo enfeitando a nuca. Mulher é macia, é brilhante, gosto de sentir o cheiro, mulher foi feita pra ser tocada, as outras são apenas cabides."

Mumu, pára de falar bobagem e vai fazer um chá...kkkkkk



Renata Fagundes - Diálogos Insanos [na real]








terça-feira, 24 de abril de 2012

Dona moça








...percebeu o cabelo dançar na frente dos olhos, como se quisesse chamar sua atenção dizendo:

Acorda dona moça, a vida passa lá fora e você fica aí olhando pra dentro, fechada no nada. Flores precisam ser coloridas, sorrisos precisam ser enfeitados, estrelas estão amontoadas num canto esperando para iluminar os beirais das janelas. Hoje, uma borboleta comentou que você esqueceu sua aquarela na esquina da praça e crianças travessas andaram brincando de pintar vidraças, achando que eram cores sem dono, sem casa. O que foi que você perdeu, que de tão distante seus olhos não veem mais nada? O que encontrou pelo caminho que a fez descolorir e cansar de sorrir? Quero pintar um coração vermelho em sua boca, para que você se recorde de falar de amor, quero vaga lumes fazendo morada nas suas pestanas para iluminar seu olhar de flor. Vem dona moça, o tempo é agora, a vida é lá fora e tudo fica sem graça sem sua risada gostosa, sem sua mistura de cor.







Trecho do texto Poema Daltônico
de Renata Fagundes